<i>Emergência da Igreja</i> e <i>Poder Local</i> dos povos

Jorge Messias

Citação da Agência Ecclesia a propósito de «Democracia Directa, Visão Cristã»: «Segundo a graça de deus que me foi dada eu, como sábio arquitecto, assentei os alicerces; outro porém edificará sobre eles. Mas veja cada qual como edifica, pois ninguém pode pôr um alicerce diferente dos que já foram postos – Jesus Cristo», (Carta aos Coríntios, Paulo de Tarso).

 «Antes da campanha eleitoral de 5 de Junho, o PSD pediu à CNIS para fazer uma proposta de plano de emergência social… Este projecto está “tal e qual” no Programa do Governo, com pequeníssimas alterações… A estratégia , que deve começar a ser executada o mais tardar em Outubro, foi concebida a partir das medidas implementadas há vinte anos por organismos de apoio social na diocese de Setúbal… A transferência da gestão dos equipamentos para instituições de solidariedade implica a passagem de um Estado Social para um Estado Solidário!» (Entrevista à Agência Ecclesia, 13.7.2011, Padre Lino Maia, presidente da CNIS).

 

Acentua-se a luta de classes e lá se vai o mito de uma hierarquia católica abraçada à fé e aos ideais da liberdade. O poder Ocidental opta abertamente pela direita e o episcopado vê o que se passa, cora e esconde as mãos mas por debaixo da mesa não cessa de baralhar, dar e voltar a baralhar as cartas do baralho. Estratégia já cansada, sem efeitos sensíveis ao que parece. Os ricos não conseguem controlar a mais profunda crise do capitalismo. E a hierarquia eclesiástica faz parte de uma dessas elites dos mais ricos.

O topo da Igreja continua igual a si próprio. Os seus imensos lóbis continuam a acumular lucros alucinantes. As suas offshores são santuários dos capitais especulativos. E na prática, para a própria Igreja, a crise geral do capitalismo revela aspectos positivos. Por exemplo: o desabar do sistema capitalista tradicional também abre portas à livre penetração da Igreja em espaços até aqui quase blindados.

Num contexto histórico pré-revolucionário como aquele em que agora vivemos a atitude da hierarquia portuguesa é porém inconsistente. Os bispos apoiam-se em duas convicções cada vez mais contestáveis: a crise capitalista de há muito latente é controlável, embora obrigue os povos a ciclópicos sacrifícios; e os ventos da história sopram agora a favor das teocracias.

No primeiro caso, os custos da crise serão pagos integralmente pelo povo, é certo. Mas, pensam os padres: por um povo que, globalmente, não irá reagir à exploração a não ser em situações extremas de miséria e de caos político que importa evitar. Em tais situações, a Igreja funcionará como tampão social. Crescendo ainda mais, já se vê. «Do caos nascerá a luz».

No segundo caso, pode «ser de oiro» este momento intercalar. Ao falar em edifício, Paulo referia-se indirectamente à Igreja e à teocracia universal profetizada na Bíblia. E alertava: «veja cada qual como edifica... ninguém pode pôr alicerces diferentes!». Decerto que o p. Maia também assim pensa.

Na verdade, parece agora possível abrir os Caminhos apontados por Escrivá de Balaguer. Mas sob condição que o clero seja disciplinado e cumpra cegamente as directrizes dos tecnocratas da Igreja, os «illuminati»! Essa orientação já existe e é para ser acatada a todos os níveis do aparelho eclesiástico e laical.

Esta realidade oculta, torna-se evidente nas recentes tomadas de posição da hierarquia católica acerca dos problemas do «combate à pobreza». Os bispos pactuam com os governos que promovem a miséria e com as concentrações de capitais que geram a pobreza. Mas como todos eles afirmam possuir uma alma cristã combatem a pobreza dando pão a alguns e telhado só àqueles que ainda podem pagar. E louvam o poder capitalista no qual a Igreja está presente. Aos pobres pregam a esperança e a resignação. Dizia há dias, numa das cantinas da Cáritas, um desses esfomeados: «Hoje sou um pobre mas amanhã posso ser patrão!».

Esta é a missão distribuída à Igreja pelas troikas de todos os tempos. Nas regiões onde a revolta alastre, evitar exibições de violência e apropriar-se das teses dos contrários, mudando-lhes o sinal. Os ricos serão filantropos, os revolucionários agentes da desordem, a Caridade e a voz livre do povo (previamente enquadrado pelas organizações caritativas católicas) representarão a alternativa única de passagem ao Estado Solidário tão ambicionado pelos fundamentalismos religiosos e laicos.

A pobreza é um autêntico «filão de oiro» para a hierarquia católica.



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